Órgão federal altera interpretação sobre processo e, agora, considera haver dados pessoais nos documentos
A restrição exigiu uma mudança na interpretação do órgão sobre o caráter dos documentos, antes disponibilizados publicamente.
Agora, a Receita afirma que os documentos possuem informações pessoais, motivo pelo qual o acesso está restrito a agentes públicos e aos envolvidos no processo.
Foi vetada na ocasião apenas a disponibilização de dois relatórios do Coaf (órgão federal de inteligência financeira) e de uma planilha com registros de acessos feitos por auditores fiscais nos dados de Flávio que constava do processo.
Tanto a liberação dos papéis em fevereiro como a negativa em julho ocorreram em pedidos via Lei de Acesso à Informação. Em recurso feito após a última negativa, a Receita não explicou a razão da mudança de entendimento. Procurada, a assessoria de imprensa do órgão não comentou o caso.
Os papéis mostram que a Receita mobilizou por quatro meses uma equipe de cinco servidores para tentar confirmar a tese de defesa do senador, segundo a qual ele teria tido seus dados fiscais acessados e repassados de forma ilegal ao Coaf.
O objetivo era reunir provas para anular a origem das investigações que culminaram na acusação contra o senador de desviar R$ 6,1 milhões de recursos públicos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, ao recolher parte do salário de assessores quando era deputado estadual.
A denúncia foi arquivada após decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) anularem as provas do caso.
O primeiro relatório do Coaf, porém, segue válido e pode ser usado num novo pedido de quebras de sigilo bancário e fiscal para que a apuração seja refeita com novas provas.
As 181 páginas do processo mostram que, de outubro de 2020 a fevereiro de 2021, a Receita deslocou dois auditores-fiscais e três analistas tributários para fazer a apuração.
Essa investigação foi objeto de requerimento apresentado pela defesa de Flávio ao então secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto.
Na petição, datada de 25 de agosto de 2020, o filho do presidente Jair Bolsonaro requisitou apuração com a máxima urgência para identificação de nome, CPF, qualificação e unidade de exercício/lotação de auditores da Receita que, segundo ele, desde 2015 acessaram seus dados fiscais, de sua mulher, Fernanda, e de empresas a eles relacionadas.
A tese era a de que servidores da Receita no Rio de Janeiro haviam vasculhado de forma ilegal os dados de Flávio e de familiares e, a partir daí, repassado informações ao Coaf, órgão responsável pelo relatório de inteligência enviado ao Ministério Público do Rio e que deu origem à investigação das “rachadinhas” contra o filho do presidente e ex-assessores.
A suspeita foi inspirada em denúncia feita por auditores fiscais no sindicato da categoria contra membros da Corregedoria da Receita. Eles afirmavam que os supostos acessos ilegais eram feitos para perseguir desafetos.
Os papéis mostram que a investigação do fisco concluiu pela improcedência das teses do filho do presidente.
A conclusão da comissão formada foi de que a acusação dos auditores não tinha resultado em nenhuma prova de ato ilegal pela corregedoria.
Ela apontou que os dados do relatório de inteligência do Coaf não tinham nenhuma informação estranha àquele órgão e que todo e qualquer acesso aos sistemas e bancos de dados fiscais possuem registros de quem efetuou e de quando foi realizado.
Após a Folha revelar a mobilização do órgão em favor da defesa de Flávio, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) entrou com representação na Procuradoria-Geral da República para apuração do caso.
A defesa de Flávio afirmou em petição à PGR que não sabia da apuração feita pela Receita após seu pedido. Apontou ainda o que considera inconsistência da conclusão do fisco sobre a ausência de indícios.
Citou, como o exemplo, o fato de a Receita ter informado ao TCU (Tribunal de Contas da União), em outro processo, a identificação de ao menos um acesso indevido aos dados fiscais do senador.
Mencionou também o fato de a comissão de servidores ter sido presidida por Diogo Esteves Rezende, que, segundo documentos do processo, integrava o Escritório de Corregedoria da 7ª Região Fiscal, exatamente o órgão que era acusado por Flávio de cometer ilegalidades.
Fonte: folha.uol.com.br