Com normas editadas pelo governo, cidadão comum teve acesso a calibres mais potentes antes restritos às forças policiais
Foram 108 mil novos registros de pistola em 2021, contra 40 mil em 2018, antes do atual governo. O número do primeiro semestre de 2022 já ultrapassa o de 2018. Os dados sobre novas armas registradas foram obtidos pela Folha junto à PF a partir de um pedido de LAI (Lei de Acesso à Informação).
Um mote da gestão de Bolsonaro tem sido a facilitação da compra de armas pela população. O governo federal já editou 19 decretos, 17 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que flexibilizam as regras de acesso a armas e munições.
Quanto mais potente a munição, maior o seu potencial letal, ou seja, cada disparo se torna mais perigoso.
Ivan Marques, advogado e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disse que o calibre de pistola mais comum no mundo, o 9mm, antes era restrito às Forças Armadas, forças policiais e CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Entretanto, o decreto de Bolsonaro, em 2019, libera para a população essa arma.
“Tirar esses calibres da exclusividade das forças de segurança enfraquece a capacidade do policial e do Exército de combater criminosos armados, que agora têm condições de ter as mesmas armas alimentadas pelas mesmas munições. Dificulta também a investigação para determinar desvios, uma vez que os cartuchos 9mm e .40 agora podem ser comprados por qualquer pessoa”.
Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, disse que o cidadão já podia ter acesso a alguns tipos de pistola, como a do calibre 380. Com essa liberação de novos modelos, as pessoas passaram a buscar essas armas que são mais modernas que o revólver.
“Dentro da categoria de uso permitido tinha poucos calibres de pistola, inferiores ao .40 e 9mm. [Agora] a pistola dispara e recarrega mais rápido que o revólver, são armas mais potentes na mão do cidadão”, disse.
Vítimas de violência aprendem a atirar e viram CACs
A instrutora de tiro Mariana Ribeiro Aguiar, 37, começou a tirar a licença em 2019. Primeiro ela virou CAC para praticar o tiro esportivo, mas decidiu dar entrada na PF para ter uma arma neste ano.
Ela comprou uma pistola 9mm para defesa pessoal e proteção da casa. Com a arma, ela se sente mais segura tendo em vista o número de assaltos e a demora que teria até conseguir acionar o policiamento.
“Escolhi justamente pensando na legítima defesa, sendo um dos calibres mais usados atualmente devido ao grande poder de velocidade e precisão, podendo parar de vez o alvo”, disse.
No Brasil as armas são liberadas pela PF e pelo Exército.
É pela PF que o cidadão comum pode ter a posse de arma para defesa pessoal. No Sinarm (Sistema Nacional de Armas, usado pela PF) também ficam cadastradas armas da Polícia Civil, guarda municipal, caçador de subsistência, servidor público e lojas de armas.
Já no Exército ficam registradas armas de CACs, das Forças Armadas e o armamento particular de militares, incluindo policiais e bombeiros. Mas o Exército afirmou não ser possível detalhar o acervo por falta de padronização no registro (em resposta a um pedido via LAI feito pelo instituto Sou da Paz).
O porte de arma, por sua vez, é concedido pela PF, sendo restrito a determinados grupos, como profissionais de segurança pública, membros das Forças Armadas, policiais e agentes de segurança privada.
O que tem ocorrido é que aos CACs foi permitido carregar a arma no trajeto entre sua casa e o local de prática (clube de tiro ou local de caça), sem restrição de rota ou de horário —o que, segundo especialistas, significa autorização para o porte, dada a subjetividade da regra.
Além disso, tem ocorrido a aprovação de projetos apresentados por parlamentares em assembleias estaduais e até em câmaras municipais que tentam garantir ao CAC o direito de andar armado, justificando que essa seria uma atividade de alto risco, embora esse seja assunto de competência exclusivamente federal.
Como a Folha mostrou, o registro de armas novas pela PF cresceu mais nos estados nos quais Bolsonaro venceu no segundo turno das eleições de 2018.
Entre 2018 e 2021, o número de novas armas registradas passou de 39 mil para 163,7 mil nas 16 unidades da federação que preferiram Bolsonaro, uma alta de 320%.
Já nos 11 estados nos quais Fernando Haddad (PT) venceu no segundo turno, o aumento foi de 223%, saindo de 12 mil para 38,8 mil.
Fonte: folha.uol.com.br