Governo planeja mudar correção do limite de despesas desde 2017 e adiar precatórios
Com a mudança no teto, seria possível ampliar o limite de gastos em pouco mais de R$ 30 bilhões em relação ao previsto hoje na proposta de Orçamento de 2022. No Congresso, no entanto, circula ainda uma estimativa de que o aumento possa ir além e chegar a aproximadamente R$ 40 bilhões.
Outros R$ 50 bilhões, aproximadamente, seriam liberados com a limitação de gastos com precatórios —dívidas do governo reconhecidas pela Justiça.
Pelo plano em estudo, a Constituição será alterada para que o teto seja corrigido anualmente pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado em 12 meses de janeiro a dezembro.
Atualmente, o período usado como base para o limite anual considera o IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior. Isso cria um descompasso nas contas, porque despesas previdenciárias e de programas sociais são corrigidas com base na inflação calculada no encerramento do ano.
Com a alteração, seriam sincronizados os períodos de correção do teto e das despesas indexadas do governo.
Na regra atual, o teto de gastos é estipulado em R$ 1,610 trilhão em 2022. Com a nova regra, o teto passaria para R$ 1,642 trilhão. A elevação ocorrerá porque a taxa de inflação a ser usada como reajuste é maior, o que aumenta o limite.
Pelos cálculos do economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado que monitora as contas públicas), a mudança deve expandir o teto em 2022 em R$ 33 bilhões, em relação ao previsto sob a regra atual.
“Se essa proposta que está sendo aventada avançar, será uma lambança ampla e irrestrita na regra do jogo. Pode-se discordar do teto de gastos ou de qualquer outra regra fiscal, mas isso nada tem a ver com técnica. Mudar retroativamente as contas poderá ser a maior contabilidade criativa de que se tem notícia”, disse.
A revisão do teto deve ser incluída na PEC (proposta de emenda à Constituição) que adia o pagamento de precatórios.
Membros do Ministério da Economia afirmam que o plano não teve origem na pasta, que foi vencida nas negociações sobre o novo programa social. A ideia do ministro Paulo Guedes (Economia) era implementar o programa dentro do teto após abrir espaço nas contas com a PEC dos precatórios, além de apontar uma fonte de custeio com a reforma do IR (Imposto de Renda). No entanto, a reforma do IR travou no Senado.
Técnicos afirmam que a sincronização dos índices de correção é bem-vinda e acaba com uma distorção na regra. Eles afirmam, porém, que a proposta surge em um momento ruim, criando risco de que mudanças mais nocivas sejam incluídas pelo Congresso na revisão do teto.
A PEC dos precatórios está em análise em comissão especial da Câmara, mas o relatório tem sido adiado diante das discussões. O texto precisará ser modificado para incorporar a revisão no teto de gastos. Por isso, a expectativa é que a votação no colegiado ocorra apenas na próxima semana.
Depois da comissão, a PEC precisa do apoio de 60% do plenário da Câmara e, então, seguirá para o Senado, onde também tem uma tramitação lenta.
A PEC dos precatórios já prevê hoje a criação de um espaço no teto de gastos, por jogar parte dessas despesas para os anos seguintes.
A alteração nas regras de pagamento de precatórios deve abrir um espaço de quase R$ 50 bilhões no projeto de Orçamento de 2022, de acordo com os planos em discussão entre equipe econômica e Congresso.
Ou seja, se combinada a proposta da PEC dos precatórios com a incorporação da mudança da correção do teto (em fase de estudos), o espaço aberto para despesas em relação à proposta de Orçamento alcançaria R$ 83 bilhões.
Além de turbinar o programa social, a abertura nas contas de 2022, ano eleitoral, deve permitir uma ampliação dos repasses para emendas parlamentares, recursos usados por deputados e senadores para destinos de seu interesse.
As demandas da classe política e o avanço da inflação (que corrige despesas obrigatórias) já apontavam um estouro de pelo menos R$ 72 bilhões no teto de gastos de 2022. Os números foram compilados no mês passado por Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Fundação Getulio Vargas), com base em cálculos do economista Marcos Mendes —ambos colunistas da Folha.
O cálculo dos especialistas levou em conta o Auxílio Brasil, emendas parlamentares, a desoneração da folha de pagamento para 17 setores e pressão por mais recursos no Fundo Eleitoral.
A alternativa da correção no teto é estudada após a equipe econômica passar a buscar uma saída para que os R$ 400 exigidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para os pagamentos do Auxílio Brasil e as outras demandas da classe política tentassem preservar o espírito do teto de gastos e os fundamentos macroeconômicos gerados pela regra fiscal.
As informações de que o governo estudava um possível estouro do teto de gastos afetaram os mercados. Nesta quarta-feira (20), Guedes chegou a falar publicamente na possibilidade de o governo pedir uma licença para gastar fora do limite constitucional. A alternativa também está em estudo no governo.
Diante das incertezas, o dólar bateu a máxima de R$ 5,67 na abertura do pregão da manhã desta quinta-feira (21), uma alta de 2% em relação ao fechamento da véspera. No começo da tarde, a Bolsa caía mais de 2%.
Fonte: folha.uol.com.br