Torneios de São Paulo e do Rio apostam em streamers e humoristas por nova audiência
“Pode continuar a falar que não vai acontecer nada nesse lance”, avisava o narrador Silvio Luiz enquanto a Ponte Preta buscava um contra-ataque contra o Palmeiras, na quarta-feira (26). “Não falei?”, emendou logo depois, provocando gargalhadas da dupla de humoristas Bola (Marcos Chiesa) e Carioca (Márvio Lúcio).
Na sequência, já no segundo tempo da partida, quando o time alviverde administrava a vantagem de três gols que havia construído na etapa inicial, ouviu-se durante a transmissão do portal R7, da Record, uma voz semelhante à de Casagrande, comentarista da TV Globo.
“Ééé, o Corinthians empatou na estreia, só tem um ponto somado, e o Palmeiras já tem seis. A torcida pode ficar brava, mas é que eu só sei falar do Corinthians”, brincou Carioca, imitando a voz do ex-jogador, levando Silvio Luiz aos risos.
A atuação palmeirense, assim como o próprio Campeonato Paulista, era só o pano de fundo para o trio apresentar aos espectadores uma forma menos tradicional de fazer a transmissão de uma partida, explorando o humor.
A proposta irreverente, repleta de brincadeiras e imitações, é a aposta da Record para conquistar o público na internet, sobretudo os mais jovens, durante a cobertura do Estadual. A emissora venceu a concorrência de Globo, SBT e Band e comprou os direitos de exibir o torneio até 2025. No primeiro ano, 16 partidas terão duas transmissões simultâneas, na TV aberta e no R7.
“Nossa ideia é brincar e zoar com todo o mundo”, explica Bola à Folha, empolgado com o projeto. “Ninguém vai ficar bravo porque nós vamos fazer uma zoeira geral, com todo o mundo.”
Aos 87 anos, Silvio integra um seleto grupo de narradores de vozes inesquecíveis no rádio e na televisão, como Galvão Bueno, Luciano do Valle (1947-2014), Fiori Gigliotti (1928-2006), Osmar Santos, entre outros. A internet, porém, é um campo novo para ele, embora esteja ligado nas transformações do mundo digital.
“Quem não consegue conviver com as redes sociais não está no mundo”, diz, antes de lamentar a única restrição que terá nas transmissões do R7. “Não pode falar palavrão. Se pudesse, conquistaria os jovens muito mais depressa”, afirma o narrador, famoso por bordões como “olho no lance!” e “balançou o capim no fundo do gol”.
No Rio de Janeiro, a busca por rejuvenescer o público que acompanha o Estadual levou a Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) a negociar os direitos de transmissão do torneio com os streamers Casimiro e Gaules e com os canais Ronaldo TV e Flow Sport Club, todos na Twitch.
Na quarta, no mesmo horário do jogo entre Palmeiras e Ponte Preta, Flamengo e Portuguesa abriram a primeira rodada da competição, com a partida exibida pelos quatro produtores de conteúdo.
O radialista e humorista Paulo Bonfá foi o responsável por comandar a exibição da partida na Ronaldo TV, em uma transmissão compartilhada com Gaules. Apesar de também ser um narrador, ele pouco exerceu a função durante a partida, na qual passou boa parte do tempo conversando com o streamer e relembrando as brincadeiras que fazia quando apresentava o Rockgol, programa da antiga MTV Brasil.
O bate-papo enquanto ocorre o evento esportivo é justamente o formato que Gaules passou a explorar em 2021, quando adquiriu os direitos de transmissão da NBA e exibiu a corrida sprint do GP São Paulo de F1. A ideia, como ele disse em entrevista recente à Folha, é criar uma “arquibancada virtual” em vez de ter uma exibição nos moldes mais clássicos.
“Eu entendo que as pessoas se identificam mais quando elas se sentem parte da transmissão. ‘Eu não vou assistir ao Paulo Bonfá, eu vou assistir com o Paulo Bonfá'”, afirma o narrador, que já passou por SporTV e Fox Sports. Para ele, a atual geração de jovens tem hábitos específicos de consumo de conteúdo.
“Tem uma grande quantidade de jovens que não adquiriram ao longo da vida o hábito de acompanhar uma transmissão na mídia tradicional, na televisão ou no rádio, algo que é muito comum para outras gerações”, diz. “Existe ainda a possibilidade que a tecnologia trouxe de interagir de formas diferentes e apresentar o conteúdo esportivo com o viés do entretenimento”, acrescenta.
Somente o Flow Sport Club exibiu o jogo do Flamengo com um formato mais próximo do que poderia se chamar de uma transmissão tradicional, comandada por Octavio Neto. Mesmo assim, a característica de uma conversa descontraída, marca do estúdio famoso por produzir podcasts, esteve presente.
“Sempre busquei uma linguagem mais jovem, extrovertida, uma linguagem que contempla esse adepto do esporte mais novo. Se a pessoa não gosta tanto do Carioca ou de futebol, ela pode ser cativada por uma transmissão mais irreverente, com uma linguagem mais atual”, diz Neto.
Foi justamente por esse estilo que ele foi escolhido pelo Flow. “O Octavio vai narrar, mas será basicamente uma conversa entre amigos porque é assim que a gente faz tudo no Flow”, diz Davy Jones, apresentador e host do Flow Sport Club.
A busca é por formatos que possam atrair novos públicos. Há um movimento no sentido de ampliar os espaço dos eventos esportivos nas plataformas de streaming, como a Twitch .
“Isso corrige um pouco a perda do impacto que o futebol teve por não acompanhar as novas formas de distribuição. No momento em que atingir a plenitude desses formatos, nós voltaremos ao estágio em que havia mais pessoas vendo e consumindo futebol”, afirma Bruno Maia, especialista inovação e novos negócios na indústria do esporte e CEO da Feel The Match.
Fonte: folha.uol.com.br