Foi ainda criança, antes da sua transição, que a cantora Jotta A fez fama no segmento gospel cantando no palco do “Programa Raul Gil”. A artista, que atualmente está com 24 anos e já possui 18 de carreira, vive uma nova fase profissional, longe da igreja e focada no pop. O lançamento da música Apollo 11 marca esse recomeço, que se deu início quando Jotta se assumiu como uma mulher trans. “O autoconhecimento faz com que a gente redescubra os lugares que estamos vivendo e, nessa fase de redescobrimento pessoal, de entender em quais lugares eu caberia e que me aceitaria, acho que foi o momento certo de expandir minha carreira para outros horizontes. Percebi que poderia deixar de ser uma artista segmentada para atingir mais pessoas com a minha arte. Esse é o meu intuito”, afirmou a artista em entrevista à Jovem Pan.
O primeiro álbum de Jotta A foi lançado quando ela tinha 6 anos. Depois disso, vieram mais três, todos com viés religioso e um deles em espanhol. “O gospel foi muito importante para mim enquanto artista e musicalmente falando, mas a música pop sempre esteve presente na minha vida. Adoro artistas como Michael Jackson e Beyoncé, mas nunca pude expressar isso através da minha arte por conta do segmento que eu cantava, mas a partir de agora as pessoas vão poder me ver de uma forma que elas não conheciam, vão poder me ver mais performática, trazendo instrumentais diferentes, acho que será bacana.” Crescer cantando — quase semanalmente — em um programa de auditório do SBT impulsionou a carreira de Jotta A na música, mas também tornou sua vida pessoal mais exposta.
“De certa forma, aprendi a lidar com essa visibilidade. Tem o lado bom e o negativo. Hoje, como uma mulher trans, eu vejo que é mais ameaçador do que antes, porque sofremos retaliação e invalidação. Faço terapia há três anos e busco através da ciência um equilíbrio para que eu consiga ser uma pessoa que saiba lidar socialmente com as pessoas”, comentou a artista, que conseguiu começar a expressar seu gênero há cerca de quatro meses. Toda essa transição na vida pessoal e profissional atraiu novos fãs, mas também gerou muito ódio gratuito — principalmente de religiosos. “Ainda existem muitos tabus quando o assunto é religião, gênero e orientação sexual e, com toda clareza, o ambiente que cresci foi extremamente religioso e nunca soube lidar de forma plena com esse assunto. Sabia que quando me assumisse, haveria um rompimento. Recebo muitos ataques na internet”, contou.
Por outro lado, Jotta A também tem percebido que sua história está ajudando outras pessoas da comunidade LGBTQIA+ a se aceitarem e também a superarem preconceitos. “Tenho um público que me acompanha desde o início e está se permitindo desconstruir. Tem muitas pessoas LGBTs que ainda frequentam igrejas evangélicas ou católicas. Recebo muitas mensagens dessas pessoas dizendo que se condenavam muito e, através da minha história de vida, entenderam que não precisam mais se condenar e, sim, viver. Tem sido lindo ver que as pessoas estão se permitindo viver de forma verdadeira”, comentou a artista. Em suas publicações no Instagram, o que se mais vê, no entanto, são comentários de ódio. “Lidar com a fama desde muito cedo acabou me blindando. Claro que, às vezes, há gatilhos emocionais, mas separo bem as opiniões que valem a pena considerar das que valem ignorar. Os comentários muito pesados são crime, é transfobia. Mando direto para o meu advogado.”
“Minha família me respeita”
Mesmo criada em um lar religioso e conservador, Jotta disse que tem o apoio da família. “Ainda está sendo um processo, principalmente para os meus pais, que são conservadores, mas minha família me respeita, não sou atacada, sou compreendida. Os pronomes, por exemplo, minha mãe ainda não se acostumou, mas ter o carinho dela e o respeito é um avanço, demonstra um apoio. Nunca ficamos sem nos falar, mas ela ficou um tempo sem entender o que estava acontecendo. Esperei o tempo dela”, falou a cantora, que atualmente mora sozinha. “Esse processo de transição me trouxe um período de solitude. Não moro mais com meus pais e isso me ajudou a lidar de forma diferente com a vida. Esse ato de cair de um casulo e lidar com a rua me fez mudar a perspectiva sobre a vida e sobre o que quero ser.”
“A música me salvou várias vezes”
Quando começou o processo de transição, a cantora optou por não mudar seu nome artístico. “Decidi manter Jotta A porque sempre fez parte da minha essência artística. A música me salvou várias vezes de não pirar de vez. O nome Jotta nunca foi meu nome real, então foi uma oportunidade de mostrar que essa é minha essência. O nome social eu já consegui alterar”, celebrou. O processo de hormonioterapia foi iniciado há alguns meses e sua principal preocupação foi com sua saúde vocal: “Sempre tive o acompanhamento de um fonoaudiólogo, então tive esse respaldo de que não aconteceria nada com a minha voz. Hoje em dia tem cirurgias que mexem na muda vocal, mas preferi não fazer. Ela acaba alongando a laringe e dá um aspecto mais agudo para a voz. Desgasta muito e tenho um cuidado muito grande com a minha voz”.
A voz sofreu pouca alteração, mas a aparência mudou. Jotta disse que gosta e se identifica com o que vê no espelho atualmente. “Sinto que saiu um peso das minhas costas. Sempre fui a pessoa que sou hoje, mas não conseguia visualizar isso e, hoje, me visualizando, sinto que essa sou eu. Estou me amando muito mais, está sendo muito boa essa fase”, enfatizou. A cantora também falou que não se incomoda de ver imagens da infância, antes da transição, participando do “Programa Raul Gil”. “Trato com leveza, entendo que são nossos processos que nos formam e me vejo no passado como um momento de aprendizagem. Tenho orgulho da minha trajetória, da minha carreira e do que eu me tornei hoje”, finalizou.