Jogadora que defendeu a seleção por 26 anos é sinônimo de futebol feminino no país
Nunca na história do esporte brasileiro houve ou haverá alguém do tamanho de Formiga. Essa afirmação parece ousada, eu sei, mas duvido que você chegue ao final deste texto sem concordar com ela. Talvez poucos conheçam a fundo a trajetória de Formiga no futebol, então, aproveitando que nesta semana ela se despedirá de vez da seleção brasileira –o Brasil enfrenta a Índia, na quinta (25)–, uso este espaço para traçar algumas linhas sobre esse fenômeno nacional.
É simbólico que a primeira jogadora da seleção feminina a ter um jogo oficial de despedida seja Miraildes Maciel Mota, mais conhecida como Formiga. Porque a história dela se confunde com a do futebol feminino no Brasil e é até difícil imaginar a seleção brasileira sem um dos seus pilares nos últimos 26 anos. Sim, você leu corretamente. Formiga dedicou 26 anos de sua vida à seleção. Chegou com 17, está saindo com 43.
O futebol costuma valorizar mais a habilidade do que a longevidade. Não é fácil, afinal, produzir Pelés, Manés, Ronaldinhos, Sissis, Martas. Mas também é raro encontrar alguém disposto a dedicar mais da metade da vida a algo que, na maior parte do tempo, exigiu muito suor e trouxe poucos louros. Dos 26 anos de Formiga na seleção, talvez só os últimos três tenham tido a visibilidade, o reconhecimento e o retorno financeiro que uma jogadora do tamanho dela merece. Antes disso, teve muita resiliência, muita persistência e uma luta sem fim para mostrar que mulheres tinham direito de ocupar os gramados e mereciam respeito.
Formiga começou a jogar nos tempos em que futebol feminino não dava futuro porque sequer dava para dizer que ele havia no presente. Quando ela nasceu, em 1978, existia uma lei que proibia a prática de futebol por mulheres. O decreto caiu em 1979, mas o que o papel liberou, os homens seguiram impedindo.
Houve um milhão de motivos para Formiga desistir, mas ela fez questão de contrariar as estatísticas e mudar o prefixo e a lógica desse verbo para: persistir. Disputou sua primeira Copa do Mundo em 1995, aos 17 anos, pegando emprestada as camisas que sobraram do tetra de Romário, Bebeto, Dunga e companhia.
Se aquele time foi resiliente carregando o peso de 24 anos de jejum de Mundiais nas costas, imagina uma jogadora que está há 26 anos carregando um fardo que sequer a pertence? “Nunca ganharam nada”, dizem, sem lembrar as pratas olímpicas tão suadas, o hepta da Copa América, um vice-campeonato mundial conquistado na marra. Porque o que elas nunca ganharam mesmo foi apoio, reconhecimento, enfim, o mínimo. Enquanto davam o retorno máximo dentro de campo.
Foram sete Mundiais, sete Jogos Olímpicos tendo que dar explicação sobre algo que não lhe dizia respeito. “O que faltou para chegarem mais longe, para conseguirem o título?” As perguntas certas para a pessoa errada. Imagine aguentar 26 anos sendo o escudo do descaso de quem nunca quis que o futebol feminino chegasse ao topo? Formiga nunca recebeu nada e, ainda assim, deu tudo.
Os recordes de jogos pela seleção (entre homens e mulheres), de Copas e Olimpíadas disputadas podem até ser ultrapassados (ainda que seja difícil). Números, por mais impressionantes que sejam, são “só” números. Mas não há no Brasil um atleta que deixou maior legado que Formiga.
A jogadora que virou sinônimo de história do futebol feminino nos garantiu que essa nunca vai ter ponto final.
Fonte: folha.uol.com.br