Direito ao voto feminino faz 92 anos, mas presença de mulheres na política ainda é desafio

Almerinda Farias Gama ganhou destaque ao votar e ser votada nas eleições de 1933 para a Assembleia Constituinte – CPDOC/FGV

Violência política de gênero é um dos fatores que impedem mulheres de exercerem mandato no país, apontam especialistas

SÃO PAULO voto feminino no Brasil foi conquistado há 92 anos. Ao longo desse período houve avanços na participação das mulheres na política, mas ainda hoje há demandas a serem superadas, como a paridade de gênero nos parlamentos, apontam especialistas ouvidas pela Folha.

“É impossível não pensar que, passados quase 100 anos da conquista do voto, [ainda] temos questões que são da mesma ordem de 1930. Isso é difícil de lidar”, afirma Cibele Tenório, jornalista e doutoranda em história pela UnB (Universidade de Brasília).

Cibele diz que ter representantes mulheres indígenas dentro do parlamento é uma das conquistas, mas pontua que a violência política de gênero, por exemplo, é um fator que impede as mulheres de exercerem seu mandato com tranquilidade.

Hannah Maruci, doutora e mestra em ciência política pela USP e co-diretora d’A Tenda das Candidatas, afirma que, mesmo com os direitos políticos adquiridos, ainda temos um percentual baixo de mulheres no parlamento.

Ela exemplifica lembrando de um discurso do então presidente Michel Temer (MDB), durante o Dia da Mulher, em que ele falou frases como: “as mulheres que sabem o preço do supermercado” e “isso eu deixo para minha esposa”.

Para Maruci, a luta das sufragistas abriu a possibilidade para se questionar a forma como as mulheres eram vistas na sociedade —ligadas aos afazeres domésticos e à manutenção da família.

“Isso abriu caminho para outras concepções de mulher, mas nunca superamos esse pensamento. Nós continuamos vendo no próprio Congresso, em debates, quando a habilidade das mulheres é questionada ou quando elas são consideradas muito emotivas para estarem na política.”

Só em 24 de fevereiro de 1932, durante a era Vargas, o voto feminino foi acolhido, após o decreto de um novo Código Eleitoral.

Mas a luta das sufragistas começou muito antes. No século 19, um grupo de mulheres que colaboravam para o jornal “A Família”, como a professora Josefina Álvares de Azevedo, iniciou uma campanha pelo sufrágio feminino.

 

Em 1889, com o fim da monarquia, os republicanos convocaram uma Assembleia Constituinte para assegurar o novo governo. A discussão sobre o voto feminino também foi incluída na pauta.

Um grupo de deputados homens passou a defender que o direito ao voto fosse estendido a mulheres diplomadas e solteiras, mas a discussão não avançou.

“Alguns deputados se mostraram dispostos a emplacar a causa. É curioso, porque eles eram até um pouco ridicularizados pelos outros homens, como se quisessem chamar a atenção das mulheres”, afirma Maruci.

Anos depois, em 1910, uma das protagonistas do movimento sufragista no Brasil, a baiana e professora Leolinda de Figueiredo Daltro fundou o Partido Republicano Feminino. Ela fazia parte de um grupo de professoras, responsáveis pela alfabetização infantil, que se levantaram contra a desigualdade política.

Mais de dez anos depois, em 1922, a sufragista Bertha Lutz fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino com o objetivo de lutar pelos direitos civis e políticos das mulheres.

Porém, até aquele momento, nenhuma das duas iniciativas asseguraram a elas o direito ao voto.

Os argumentos que impediam o avanço giravam em torno do papel que a mulher deveria exercer na sociedade. Havia a ideia de que elas deveriam se dedicar ao cuidado da casa e da família. Acreditava-se que, se elas votassem, esse trabalho se degeneraria.

Há charges da época que ilustram esse pensamento. Em uma delas, uma mulher aparece ao centro em pé, de roupa social, chapéu, com um cigarro na boca, uma bengala em uma mão e uma maleta na outra. Ao seu redor, há um homem segurando um bebê no colo, outro, fazendo crochê sentado em uma poltrona.

Outro argumento dizia respeito à concepção de voto da época. Acreditava-se que o voto não era individual, mas familiar, ou seja, a mulher não iria votar diferente do seu marido ou pai, caso não fosse casada, porque ela sempre defenderia os direitos da família.

“Existiam também aqueles argumentos mais baixos, que vêm da concepção de inferioridade biológica da mulher, [ao afirmar] que ela seria menos capaz”, afirmou Hannah Maruci.

O voto feminino só passou a ser cogitado de fato quando as sufragistas procuraram Getúlio Vargas para conversar, após ele anunciar que faria uma reformulação do código eleitoral do país e promoveria eleições para o Legislativo.

Nesse primeiro momento, o voto feminino ainda tinha restrições. Apenas as mulheres viúvas ou solteiras com renda própria poderiam votar. As casadas precisariam da autorização do marido.

Só com o Código de 1932 o voto feminino passou a valer sem condições excepcionais, porém não era obrigatório ainda para elas. A partir daquele momento as mulheres poderiam votar e ser votadas.

Ao todo, sete candidataram-se para as eleições legislativas: Leolinda Daltro, Natércia da Silveira, Bertha Lutz, Ilka Labarte, Georgina Azevedo Lima, Tereza Rabelo de Macedo e Julita Soares da Gama. Bertha foi a que recebeu a maior votação.

“Se o Brasil tivesse adotado o voto quando as mulheres começaram a pedir, teria sido pioneiro”, afirmou Marucci. Segundo ela, o Código fez uma faxina no sistema eleitoral brasileiro. Porém, ele garantiu o voto, mas não a igualdade política.

“O voto não era obrigatório para as mulheres. O que isso significa na prática? Que muitas delas não teriam permissão de seu marido ou pai para votar.”

Bertha foi uma das sufragistas mais conhecidas. Foi uma grande articuladora do movimento ao dialogar com as feministas dos Estados Unidos e com os deputados homens. Junto com ela, outras mulheres também foram importantes para o movimento.

É o caso de Almerinda Farias Gama, uma mulher negra que ganhou destaque ao votar e ser votada nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1933.

“Havia naquele grupo também muitas mulheres que trabalhavam. Almerinda era datilógrafa e assalariada. Era uma mulher que, quando chegou no grupo, assumiu muitas funções, sendo a principal delas assessora de imprensa da federação”, afirma Cibele, que terá a sua tese de mestrado sobre a trajetória de Almerinda adaptada para virar livro e publicada pela editora Todavia.

Em 1945, com a queda de Vargas, o país retorna à democracia e elabora-se uma nova Constituição —a Carta de 1946— que torna o direito de voto das mulheres obrigatório. Anos depois, em 1988, a Constituição Federal estendeu o direito de voto a homens e mulheres analfabetos.

Segundo Cibele, o movimento atual é o de manutenção do direito. “Essa República é masculina e nos admite muitas vezes sob muita pressão. A tendência dela é sempre voltar ao que era. Precisamos ficar muito atentos para que não haja retrocesso nos direitos conquistados e que foram muito trabalhosos para as mulheres do passado”, concluiu.

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