‘Corpo e carroça viram um só’, diz catadora que aproveita carnaval para melhorar renda

Conheça a história de Elismaura Pereira dos Santos, invisível para muitos, mas essencial para uma folia mais sustentável

Já faz seis anos que Elismaura Pereira dos Santos vai aos blocos do carnaval de São Paulo. Não como foliã, mas como catadora de materiais recicláveis. “É a época que a gente consegue ter uma renda melhor”, contou ao Terra. Aos 49 anos, ela trabalha há 26 nas ruas da capital paulista como catadora. “Tranquilo, já acostumei”, diz enquanto mostra o braço definido de tanto carregar o peso dos resíduos deixados por quem curtiu a folia.

Em cima da carroça que a ajuda a levar os materiais recolhidos no carnaval, é possível colocar um total de cinco sacolas cheias, segundo a catadora. Ela diz não ter nem ideia de quantos quilos acaba carregando em um dia de trabalho. “Nunca pesei assim tudo junto, porque a gente vende por material separado”, conta.

Esta é a primeira matéria da série de reportagem ‘Invisíveis no Carnaval’, que conta a história de profissionais negligenciados, mas essenciais para a folia em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Salvador, no Recife e em Olinda.

                                                                                                                                                 

Meu corpo é dela [da carroça], o dela é meu. Vira uma coisa única. Eu brinco até de fazer ginástica com ela” –  Elismaura Pereira dos Santos

O dinheiro que consegue nos blocos é “fundamental” dentro da casa de Elismaura, onde moram nove pessoas, incluindo seis filhos e dois netos. Neste bloco, ela trabalhou em uma equipe organizada pelo Pimp My Carroça, movimento que atua na geração de renda de catadores de todo país, e que criou o aplicativo Cataki, utilizado para aproximar geradores de resíduos aos profissionais da reciclagem.

Cada equipe, composta por 20 catadores, recebeu luvas, capas de chuva e uma espécie de ‘vara de pesca’: “Para a gente pegar e não precisar estar se abaixando ou cortando a mão. Fora os R$ 200, mais os materiais que a gente pega. Geralmente, num dia normal de trabalho, fora do carnaval, acaba não tendo nada disso. Mas aqui tudo que pegar, vai ser levado para a cooperativa. A cooperativa vai fazer a separação. Depois vai ser pesado e vendido”, relata.

A gente impede de tudo isso aqui ir para o aterro sanitário. Ajuda no meio ambiente. Quando a gente vem para a rua fazer essa limpeza, a gente já está fazendo um grande projeto ambiental” –   Elismaura

Equipes de 20 pessoas se dividem para atuar em blocos de carnaval em SP

Questionada se consegue fazer algum tipo de preparação antes de ir aos blocos de carnaval, como tomar um café da manhã mais reforçado, Elismaura garante que havia refeito uma refeição. “Mas assim, eu sou de rua, eu tô acostumada com isso sem preparar. Essa é a minha vida. Tantas décadas, né? Já faz tempo. Essa é a minha vida. Eu falo que a rua é a minha pista. Isso aqui [a carroça] é a minha BMW, minha Mitsubishi”.

Estimados em 800 mil brasileiras e brasileiros pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), os catadores de rua, de lixões ou os organizados em cooperativas e associações possuem histórias parecidas com a de Elismaura e são responsáveis por 90% de tudo que se recicla no país, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

                                                                                                                            “Serviço útil” 

Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) estima que 800 mil pessoas trabalhem como catadores
Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) estima que 800 mil pessoas trabalhem como catadores

Foto: Ricardo Matsukawa/Especial para o Terra

"Tudo quanto é resíduo a gente encontra", relatam profissionais

 

Morador do bairro de Perus, Zona Norte de São Paulo, William Alves, de 37 anos, trabalha com reciclagem há 20 e vai aos blocos do carnaval de rua como catador há cerca de seis anos. Com um total de cinco moradores em casa, o dinheiro que ele consegue é utilizado para “pagar água e luz, material da minha filha e do meu neto”.

William explica que, desde quando se uniu ao Cataki e ao Pimp My Carroça, o trabalho no carnaval melhorou. “A gente vai enchendo os bags e deixando o que tem no decorrer da rua, até lá onde termina o bloco. São quatro pontos que os caminhões estão esperando. A gente deixa os bags lá e descarrega para não ficar tão pesado na hora de puxar”.

 

 

Tudo quanto é resíduo a gente encontra. Com o uniforme do Cataki, fica melhor porque a gente fica mais visível, né? E as pessoas respeitam mais. Mas se veem sem o patrocínio, muitos veem a gente como morador de rua ou usuários de droga. Incomoda, né?” –  William Alves

O paulista diz que chega a trabalhar em 20 blocos de São Paulo, entre o pré e o pós-carnaval.  “A gente está prestando um serviço muito útil para a sociedade, para o meio ambiente”, destaca ele, que diz que o que sobra de consciência ambiental nos catadores falta em alguns foliões. “É só depositar os resíduos nas lixeiras, né? Fica mais fácil para a gente recolher, é simples. Ajuda a nós e ajuda vocês a curtir mais o rolê também”, conclui.

William pede aos foliões mais consciência ambiental para facilitar trabalho
William pede aos foliões mais consciência ambiental para facilitar trabalho

Foto: Ricardo Matsukawa/Especial para o Terra

Fonte: terra.com.br

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